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27 de Dezembro de 2012 às 00:01

O grande debate sobre a banca

A directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde disse recentemente, acerca da incompleta reforma do sector financeiro mundial, que: "para começar, precisamos de progressos concretos na questão das instituições demasiado grandes para falir. Precisamos de uma discussão ao nível mundial sobre os prós e os contras das restrições directas aos modelos de negócio". Cinco anos depois do início da crise, com a publicação do relatório Liikanen, sobre a reforma na banca da União Europeia, o debate sobre o tema finalmente começou.

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As propostas do relatório Liikanen têm muito em comum com aquelas que foram feitas, em 2011, pela Comissão Bancária Independente do Reino Unido (ICB), a que eu presidi. Ambas recomendações enfatizam a importância da integração de um pacote de medidas que combinem uma maior capacidade de absorver perdas com as reformas estruturais. E ambas fazem o mesmo processo económico para essas reformas: isolar os serviços bancários básicos da banca de investimento em risco; tornar uma resolução mais fácil e assim mais credível; blindar os contribuintes dos riscos que pertencem ao sector privado, assegurando que o assumir de riscos está sujeito à disciplina adequada ao mercado.

Além disso, tanto Liikanen como o ICB são favoráveis a um sistema bancário universal estruturado – separação legal das entidades com separação do capital, da gestão e assim por diante – em vez de apelarem ao seu desaparecimento como é recomendado por aqueles que querem separar completamente a banca comercial da banca de investimento. No caso dos grandes bancos, o relatório Liikanen apontava para a separação da área de negociação da área da banca de depósitos, enquanto as propostas do ICB, que foram incorporadas no projecto de lei britânico, sugerem a delimitação da banca de retalho.

Isto, por si mesmo, é uma distinção sem que se possam ver as diferenças. Afinal, uma cerca para proteger o veado dos leões é o mesmo que uma cerca para manter os leões longe dos veados. Mas, e ao contrário da proposta de Volcker (a denominada Volcker Rule), nem as propostas de Liikanen nem a abordagem britânica procuram separar as áreas de negociação. Julgar se negociação é feita com o dinheiro do próprio banco em vez de com o dinheiro dos clientes exige apenas saber o que as instituições estão a assumir. Contudo, a experiência norte-americana demonstra que isto também é difícil.

Ainda assim, o relatório Liikanen e a proposta britânica não são semelhantes. Nem devem ser. O Reino Unido tem um sistema financeiro muito maior do que a sua economia e do que a Europa como um todo – quanto mais os Estados Unidos. O sistema financeiro britânico está exposto a riscos diferentes, o que é do interesse da Europa que sejam bem geridos. Além disso, o relatório Liikanen não tem uma abordagem única visto que propõe explicitamente poderes para que possa ser exigida uma separação alargada, caso seja necessária, de forma a assegurar uma resolução.

Contudo, há uma diferença clara que é o facto de o relatório Liikanen, contrariamente às propostas do Reino Unido, permitir que os títulos de valores mobiliários sejam subscritos nos bancos de depósitos. E este dado gera uma distinção com os Estados Unidos que, mesmo depois da revogação do Acto Glass-Steagall, em 1999, proíbe a associação entre bancos e empresas envolvidos principalmente na subscrição destes títulos.

E é estranho a forma como se conjuga a separação da negociação dos instrumentos financeiros derivados dos depósitos bancários, dado que a subscrição é semelhante à colocação de uma grande Opção de Venda, o que é tipicamente mais arriscado do que as decisões normais de mercado. Com a subscrição do lado da negociação, os bancos de depósitos podem continuar a fornecer os seus serviços aos clientes, mas como corretores e não como negociadores. Subscrição pertence aos leões.

Além das dificuldades de implementação, há boas razões para não introduzir as regras de Volcker, em vez das propostas das propostas de Liikanen e do ICB, no Reino Unido e na Europa. Em primeiro lugar, não é suficiente blindar a banca de retalho dos riscos da banca de investimento, na qual apenas uma pequena percentagem das negociações é feita com verbas próprias. Em segundo lugar, para começar, os Estados Unidos têm um sistema bancário muito diferente, que inclui vários regulamentos sobre a forma como as instituições de depósitos se podem relacionar com as entidades associadas de negociação.

Isto sugere que, a melhor questão a colocar é se, se pretende introduzir as regras de Volcker em conjunto com - em vez de - a delimitação. No interesse da simplicidade, diria que não.

Obrigar a uma separação total, em vez de uma delimitação, iria dar uma barreira mais forte, mas com um custo potencialmente mais elevado, incluindo um risco para a estabilidade financeira. Afinal, a separação total implica que os recursos, localizados em outro local, de um determinado grupo bancário, não estejam disponíveis para apoiar a instituição no caso de uma crise na banca de retalho que é fruto, digamos, de uma queda nos preços dos edifícios de habitação ou comerciais.

E uma crise assim pode acontecer. Por isso, o ICB concluiu que este pacote de reformas para o Reino Unido iria atingir os principais objectivos da total separação com um custo inferior e sem criar um risco para a estabilidade financeira, que poderia advir da existência de uma banca de retalho doméstica pouco diversificada, correlacionada e autónoma. O sucesso desta abordagem está dependente da cerca se manter forte. E isso exige uma proposta inicial boa e da constante vigilância dos reguladores mas, assim não uma separação total.

Uma reforma estrutural do sistema financeiro não resolve todos os problemas. Mas, pelo menos no Reino Unido e no resto da Europa, é uma parte importante do pacote de reformas, acompanhado por um reforçado padrão de capitais e de liquidez, capacidade de absorção de dívidas (o que incluiu que os credores participem neste esforço de absorção), resolução real e aí por diante. Esta é também uma questão de como proteger a estabilidade financeira dos riscos que podem surgir do sistema bancário paralelo (em inglês denominado de shadow banking), incluindo o risco de contágio à banca tradicional, o que a delimitação ajuda a conter.

As reformas estruturais são também fundamentais para que se possa caminhar na direcção da união bancária europeia, para uma união com estruturas bancárias seguras e bem capitalizadas e que tenha perspectivas muito melhores do que uma união sem estas características. Por outro lado, a mutualização dos passivos contingentes pode agravar o problema das instituições que são demasiado importantes para falirem.

Agora que as reformas estruturais estão, de forma explícita, nas agendas, o debate sobre a reforma do sistema bancário europeu está a entrar numa nova fase. Mas, como apontou o FMI, o debate precisa de ir além da Europa. Além disso, é mais do que um debate sobre políticas públicas porque, no mundo pós-crise, os incentivos de mercado podem apontar na direcção de separar a banca de retalho da banca de investimento.

Mas os incentivos de mercado adjacentes a vários modelos de negócio vão continuar distorcidos enquanto os contribuintes estejam sujeitos às perdas do sistema financeiro. Isso dá mais motivos para os libertar através de reformas bancárias estruturais, bem como, outros tipos de reformas no sector.

Tradução: Ana Laranjeiro

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